sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

MECÂNICOS

Conto de Vanessa Morelli

Um escritor muito hábil, Luide Taroco, escrevia seu primeiro romance. Não bem escrevia porque não sabia, mas ainda não havia desistido da profissão que escolhera. Enquanto seus amigos já tinham publicado mais de dez livros entre poesias, prosas e romances, ele tentava persistentemente escrever seu primeiro. Era ágil no discurso oral, entretanto suas idéias processavam de maneira tão veloz que antes de as colocar no papel, havia esquecido todas.

Cansado, exausto de tanto fervor e devoção e tão pouca vocação, manuseou sua máquina tentando descobrir uma solução. Quais os passos que deveriam surgir em sua vida tranqüila e metódica?

Todas as manhãs, Luide Taroco se levantava , tomava o seu café preto “substancial” – como costumava dizer, organizava seus livros e revistas e ia à banca comprar jornal para quem sabe ter um surto criativo, mas não! Desanimado, abria uma garrafa de whisky e contemplava o rótulo. Era um hábito solidificado, nada fragmentado e com teor risível, digno de delírios e de imaginações atordoadas.

Quando o efeito do álcool passava, lembrava-se do almoço, por volta das quatro horas da tarde. Então ia para frente da máquina de escrever e lá ficava durante horas, até adormecer. Luide Taroco era ultrapassado, detestava computador. Era um hábito que virou mania e que tornou-se vício.

Começou a fumar meses depois, logo que a morte de sua mãe foi revelada. Dizia que era influência dos amigos - más companhias, adicionava. Entristeceu-se, mas Luide Taroco era forte, era um homem de fibra. Passou a acender um cigarro no outro e comentava:

- Essa droga é boa, mas o hálito é insuportável.

De tal forma o incomodava que começou a fazer gargarejos e com tanta força escovava os dentes que passou a ter gengivite.

Voltava-se para a máquina de escrever – sua companheira. E teve um acesso de fluidez. Suas mãos gananciosamente batiam teclas e mais teclas e escreveu, como um louco, mas escreveu!
O título da fantástica obra chamava “A autodestruição do Planeta Terra”. Porém, achou o título pobre e de mau gosto. Corrigiu:

- O dia em que a Terra conheceu a sombra! Não, muito longo... Sopro da Terra!

Depois de muito pensar, finalizou: “Terra na sombra”. O seu livro era uma premeditação do que aconteceria, claro que ele não sabia que era um Nostradamus. Nem Nostradamus sabia quem ele mesmo era! Sua criação era um oráculo! Uma previsão!

Luide Taroco, orgulhoso, pela primeira vez, da sua obra acabada, começou então a fazer planos para o futuro. Imaginou um iate no meio do mar, uma casa na praia, uma mulher com todos os requisitos para uma ótima esposa e sonhava ardentemente num espírito materialista e compulsivo.

Listou apartamentos que poderia comprar à beira mar, orçou iates de todos os tipos e tamanhos e notou a beleza das mulheres porque agora sim ele era dono de si. Foi quando, de repente, numa dessas saídas em busca de luxúria e prazeres da carne que o mundo começou a desabar.

Um terremoto maior de todos os tempos havia atingido toda a costa litorânea e, por graça divina, alguns conseguiram escapar. Luide era um deles. Pensou alto:

- Deve ser algo passageiro, um acontecimento inusitado da natureza. Ainda hei de comprar uma cobertura nas praias brasileiras.

Em casa, lendo o jornal, como de costume, lê uma notícia que o atordoa por alguns longos minutos. Toda a costa litorânea havia sido tomada pelas águas do mar.

- Mas como pode ser um negócio desse? Justo agora? – esbravejou.

Os seus sonhos desabaram, mas Luide não se deixou perturbar. Resgatou suas forças e tratou de reavaliar seus desejos consumistas.

As notícias veiculadas alarmaram a população. O calor intensificava de tal maneira que todos os dias tinha gente morrendo por desidratação. A dengue fazia festa. O pânico foi causando caos. A desordem era total. Muita gente deixou de trabalhar, os que iam ficavam até mais tarde porque a empresa possuía ar-condicionado.

Dia após dia a Terra aquecia, pessoas morriam, os jornais noticiavam. Geleiras virando água e alagando cidades. Morriam afogadas ou por desidratação.

Luide Taroco era um dos sobreviventes. Desacreditava no que estava acontecendo. O mundo era um grande tormento, assim como havia escrito. Estava petrificado com a situação. Seus amigos estavam mortos e se não estavam, não havia mais modo de saber.

Não existia mais comércio, os jornais fecharam as portas, não porque não haviam notícias, mas os canais de comunicação haviam sido destruídos. Linhas telefônicas, editoras, emissoras de televisão, de rádio, tudo danificado, devastado.

Os alimentos começaram a escassear. A violência há muito imperava. Cidadãos tentando salvar suas próprias vidas e de suas famílias. Vulcões começaram a entrar em erupção, um atrás do outro. A Terra virava novamente uma bola incandescente.

Todos desesperados, lutando pela sobrevivência. As leis dos homens não mais existiam. Agora era cada um por si. As poucas igrejas que restavam concentravam fiéis fervorosos que oravam ininterruptamente, clamando por uma misericórdia divina. Luide Taroco estava entre eles. Uns acreditavam que o mundo ia acabar, que havia chegado o apocalipse final, outros que esse transtorno devia ser somente uma transição, mas que tudo ficaria bem e poderiam voltar a ter uma vida. Esses últimos eram mais esperançosos, pois a destruição era tanta que só mesmo o otimismo para lhes dar esperança. Luide se encontrava entre os primeiros, em que havia chegado realmente o momento de uma nova era e seriam extintos, assim como os dinossauros. Luide estava certo, seu romance tinha previsto.

Os tripulantes da nave descansavam, visto o trabalho exaustivo que tiveram durante vinte e quatro horas ininterruptas do dia anterior. O perigo havia sido dramático. Muitos enlouqueceram, sangraram, sufocaram, vítimas de seu próprio corpo-máquina. Mecânicos eram chamados.

Os seres humanos passaram a ser lenda. Agora os Mecânicos dominam a Terra, uma nova terra, compactada, sem recursos e altamente dizimada.

O mal do século XXI, o estresse, já não fazia mais parte do vocabulário. Questões ambientais também não eram mais discutidas, visto que as costas litorâneas de fato haviam sido tomadas pelos mares, os oceanos convulsionaram-se e os vulcões emergiram por toda a parte. Foi conhecido como o século do caos, da desordem, da constante provocação da natureza contra si e contra todos. Os sobreviventes do século viveram precariamente toda uma geração. Seus descendentes estudaram maneiras de construir um templo fechado, finalizado séculos depois. Readaptados e todos mutantes foram os novos seres do século XXX e que se autodenominaram Mecânicos. Uma nova forma de vida corporal que agia, programados como computadores, mas obras da Mãe-Natureza e não mais dos homens.

A temperatura do planeta chegava a oitenta graus, não permitindo qualquer tipo de vida ultrapassada. Os que conseguiram se adequar ao novo mundo, às transformações rápidas e altamente destrutivas possuíam um novo corpo, uma nova forma de vida: metade máquina, metade vida orgânica.

Esses poucos sobreviventes possuíam uma alimentação restrita a um tipo de líquido fornecido por esse ambiente modificado. A reprodução era feita de forma eficiente, controlavam instintivamente, já que os recursos eram insuficientes.

Herdeiros do novo milênio, os Mecânicos não se emocionavam, nem pensavam, eram conduzidos por uma forte força instintiva e por máquinas que equacionavam suas funções e reações. Sobreviventes, readaptados e mutantes são os Mecânicos. Geram o que ainda restou dos séculos anteriores, mas criam o Novo Século: o século XXX.

As atividades diárias exerciam movimentos repetitivos e falta de lucidez. Os que infringiam as normas de conduta utilizando a razão eram sabotados por seu próprio corpo-máquina. Morriam, sufocados por um ar que lhes rompiam os pulmões, o oxigênio.

Pi pi pi – um alarme soa. Os tripulantes da nave levantam-se, andam robotizados e seguem o percurso de acordo com o mapa da mente. Sentam em suas respectivas cadeiras e operam um sistema, uma tecnologia muito avançada. O combustível é um certo tipo de ácido. Os Mecânicos registram a ocorrência do perigo, a máquina dá as suas instruções. Eles as cumprem, etapa por etapa. O alarme continua a soar. Os Mecânicos digitam novas ocorrências, a máquina novamente dá o comando. Eles seguem as novas ordens. O alarme toca. Eles operam. A máquina potencializa ações. Cumprem. Continuada a seqüência, finalmente o alarme é interrompido. O silêncio reina. Mais uma vez os Mecânicos sobrevivem. Fim do processo.

E Luide Taroco – que triste – não viveu para ver sua obra publicada, nem deixou descendentes. Ninguém soube que um dia ele seria um grande escritor.




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Também o texto se encontra registrado na Biblioteca Nacional.

quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

FALA SÉRIO

Autoria: Vanessa Morelli

- Fala sério! As pessoas que sabem menos são as mais arrogantes, defendem-se o tempo todo como se a qualquer momento fosse tomar um soco. Uma muralha de proteção contra o nada. A falta de crença em si mesmo destrói a beleza da verdade e da ingenuidade. Vive-se num mundo de quem conta a maior mentira, quem é melhor que quem. Será minha visão pessimista? - diz Genuína.

- Bem... não sei. Vou contar uma experiência que pode ser como uma antena Am transmitindo ondas que esbarram na primeira montanha alta. Estávamos selecionando um projeto que deveria ser apresentado diante de todos os grandes escalões de uma respeitada empresa. Muitos disseram, disseram e disseram e não falaram nada, outros cinco explicaram seus projetos minuciosamente com detalhes e perspectivas estudadas, comparadas e analisadas com bases sustentadas e coerentes. Agora lhe pergunto: quais foram os escolhidos para o desenvolvimento do projeto? - pergunta Severo.

- Obviamente os cinco que tornaram seus projetos racionalmente justificados.

- Pois bem, embora tenham sido perspicazes e minuciosos, faltou um ingrediente importante: audácia. E não apenas isso. A empresa escolheu os que disseram muito sem dizer nada porque o grande diferencial dentre esses e os outros era a crença na certeza de suas convicções. O que venderam? Fantasia e ilusão. O mundo já está cheio de receitas óbvias, aquele que conseguir trabalhar o velho com os olhos do novo transformando ilusão em realidade é o Grande Vencedor. Todos tinham 50 % de acertar ou errar, a fórmula ninguém ainda possuía, só o caminho para ela. Não existem receitas prontas, apenas tentativas que dão certo. Respondi sua pergunta?


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quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

A questão que se coloca...

Roteiro da apresentação do dia 22/11/2007 (quinta-feira). Curso de Extensão, Usp, Domenico Hur: ESQUIZOANÁLISE. Esse texto foi elaborado a partir do Texto: Pra Acabar com o Julgamento de Deus, de Artaud. A proposta era trabalhar a percepção do individuo através de imagens e sons (coerentes e incoerentes), propôr um encontro de rompimento eu-instituído.

TATI: (abre a porta da sala, entra e comunica) A questão que se coloca...
(do lado de fora, aumenta-se o tom de voz gradualmente)
VANY: A questão que se coloca...
RAPHA: A questão que se coloca...
CAROL: A questão que se coloca...
TATI: O que é grave é sabermos que atrás da ordem deste mundo existe uma outra.
VANY: é sabermos que atrás da ordem deste mundo existe uma outra.
(bate no ombro da Tati que cai - forma estilizada)
RAPHA: que atrás da ordem deste mundo existe uma outra.
(bate no ombro da Vany que cai)
CAROL: existe uma outra. (bate no ombro do Rapha que cai)
(Lembrando que a "caída" é sempre estilizada)
TATI: Que é noite,
VANY: Nada,
RAPHA: Irreflexão
CAROL: Meu corpo.
TODOS: Não sei. (pausa) Mas sei que...
TATI: O espaço,
VANY: O tempo,
RAPHA: A dimensão,
CAROL: O devir,
TATI: O futuro,
VANY: O destino,
RAPHA: O ser,
CAROL: O não-ser.
TODOS: O Eu. (pausa) Eu, indivíduo, indústria, instituição, eu integrada, eu desunido. PARTI.
(tambor - remanejar-se na sala)
TATI: Senhores, queiram colocar o cinto de segurança que a viagem vai começar e quem sai vivo só Deus irá julgar.
VANY: o cinto de segurança que a viagem vai começar e quem sai vivo só Deus irá julgar.
RAPHA: a viagem vai começar e quem sai vivo só Deus irá julgar.
CAROL: quem sai vivo só Deus irá julgar.
TATI: Virem suas respectivas cadeiras com o olhar direcionado para a parede.
VANY: suas respectivas cadeiras com o olhar direcionado para a parede.
RAPHA: com o olhar direcionado para a parede.
CAROL: para a parede.
TODOS: (como gagos) As ven das de vem ser co lo ca das nos o lhos. (como robôs) A luz está sendo apagada.
(mùsica - 30 segundos da mesma, tempo para acender as velas e os incensos e preparar-se para o contato sensorial com o público. Caos tribal. Água em burifador, pena, café, perfume, óleo... etc. Após esse contato, o espelho passará nas mãos de cada um. )
TATI: Parece dificil mas há uma forma de nos verem sem tirar os olhos da parede e este meio será passado de mão em mão.
VANY: Parece difícil.
RAPHA: Forma de nos verem.
CAROL: Passado de mão em mão.
(disco enferrujado, várias palavras faladas aleatoriamente - ombro no ombro - ad infinitum)
(Poesias - Papéis dobrados no meio da sala. Cada um será tirado para participar do grupo dos 4 até finalizar com todos indivíduos formando um único grupo.)

* O final foi bem interessante porque saiu totalmente do pré-estabelecido. O que era para provocar uma junção dentro do círculo não aconteceu. As pessoas como se obedecendo a uma ordem (não mencionada) pegavam seus poemas, liam e voltavam para sua respectiva cadeira.

Frases para conhecimento:
1. Michel Foucalt: A verdade nada mais é do que uma mentira que não pode ser contestada em um determinado momento.
2. Prazer em exercer um poder que questiona, fiscaliza, espreita, espia, investiga, apalpa, revela, prazer de escapar a esse poder. Poder que se deixa invadir pelo prazer que persegue - poder que se afirma no prazer de mostrar-se, de escandalizar, de resistir. Prazer e poder.
Um novo prazer surgiu: o de contar e o de ouvir. Dever de dizer tudo. Confessa! É obrigação a confissão.
3. Estimulação dos corpos, da intensificação dos prazeres, da incitação do discurso, da formação dos conhecimentos, do reforço dos controles e das resistências. Socialmente construída. Aceite a verdade que mais lhe convém ou invente novas verdades.
Participaram dessa apresentação:
Carol Vita, Tatiane Janke, Raphael Enrique e Vanessa Morelli.

INVENÇÃO DE BRUXA

Ritual das Mulheres, Autoria: Vanessa Morelli, Cena para Sarau.

Personagens: Anfitriã, Senhorita Ana, Senhorita Flávia, Senhorita Sara e Senhorita Luana.

(As 4 estão de sombrinhas. É noite. É uma comemoração.)

Senhora Ana: Quanta elegância! Parece que pensou em todos os detalhes.

Senhorita Flávia: Parece não. Pensou em todos os detalhes.

Senhorita Sara: Preocupou-se com o esmero.

Senhora Luana: Quanto requinte!

Senhorita Ana: Eu diria ainda mais: uma comemoração tão pormenorizada como essa é muito digna de nossa vinda.

Senhorita Flávia: Andei 46 km para chegar até aqui.

Senhorita Sara: Não é muito, da minha casa até esta comemoração digníssima são 88 km.

Senhorita Luana: Vieram como?

Senhorita Flávia: Vim de carro, meu motorista me deixou. Deve estar dormindo dentro do carro, pobre rapaz...

Senhorita Sara: Eu também vim de carro, dirigindo.

Senhorita Ana: Não sabia que dirigia.

Senhorita Sara: Faço de tudo, só não lavo e nem passo.

Senhorita Luana: Que lástima se o fizesse.

Senhorita Sara: Que nada! Tenho orgulho de minha independência.

Senhorita Ana: Meu marido me deixou. Virá me buscar dentro de uma hora. É um amor, sempre me agrada.

Senhorita Luana: Será incômodo se o seu marido me deixar em casa antes?

Senhorita Ana: E o seu marido, o Senhor Clóvis, não a buscará?

Senhorita Luana: Meu marido, aquele mal se preocupada comigo. Tive de vir a pé. Não sei dirigir. E ele nem se ofereceu. Deve estar dormindo no momento.

Senhorita Ana: Sendo assim, faremos de bom grado.

Senhorita Luana: Muito agradecida. Acaba de salvar meus pés!

Senhorita Ana: Confesso estar desapontada com o comportamento deselegante do Senhor Clóvis.

Senhorita Sara: Eu também!

Senhorita Flávia: Indignadíssima.

Senhorita Luana: É o martírio das mulheres casadas. (olha para a Senhorita Ana) Quer dizer, nem todas!

Senhorita Ana: Correção bem pontuada, eu diria.

Senhorita Flávia: Bem pontuada.

Senhorita Sara: Convém que sim.

Senhorita Ana: Meninas, desculpe a liberdade pelo “meninas”, mas me preocupa as senhoritas voltarem sozinhas para tão longe, ainda mais nesta escuridão que se faz presente.

Senhorita Flávia: Não precisa preocupar-se.

Senhorita Sara: Somos independentes.

Senhorita Ana: Sei bem disso, mas não me custa nada oferecer hospedagem pelo menos por esta noite.

Senhorita Flávia: Ah! Quanta educação!

Senhorita Sara: Quanta gentileza!

Senhorita Ana: Então... aceitam meu convite? Podem seguir nosso carro, assim não precisam voltar para pegá-los.

Senhorita Flávia: Bem pensado.

Senhorita Ana: Posso então fazer esse agrado?

Senhorita Flávia: Adoraria descansar antes de tomar estrada novamente.

Senhorita Sara: Só penso que se aceitar, estarei renegando minha independência. Não costumo aceitar gentilezas. Tenho minha independência!

Senhorita Ana: Por uma noite não lhe fará mal algum, Senhorita Sara.

Senhorita Sara: Já que não invadirei seu espaço e é tão gentil, não me custa aceitar.

Senhorita Ana: Adorarei passar mais algumas horas com as senhoritas.

Senhorita Luana: Mas que belíssima comemoração! Merecemos mais champagne, não é mesmo?

Senhorita Ana: O Ritual sagrado vai começar. Fechemos nossas sombrinhas. Precisamos estar livres de objetos nas mãos.

(fecham as sombrinhas e colocam no chão)

Anfitriã: Sejam bem vindas! O Ritual vai começar!

(As 4 se jogam no chão. A Anfitriã pisa em cima das 4 e continua pisando em outras, como se fossem muitas)

Anfitriã: Estamos aqui para nos redimir de nossos pecados. Estamos aqui para fazer desta noite um ato simbólico. Piso em vocês para que se lembrem que o caminho para a nossa trajetória é a humildade. (pausa) Levantem-se! Peguem suas espadas!

(As 4 se levantam e pegam as espadas que estão no fundo do palco)

Anfitriã: Levantem-na! Vamos começar o juramento. Eu, portadora da força terrestre (repetem), Prometo, Rei dos Céus, (repetem) que nada e ninguém (repetem) me fará falhar (repetem). Estou aqui para provar o voto de confiança que em Vós tenho (repetem). Ajoelhem-se! (as 4 ajoelham) Pausa para o festejo! Tragam as taças! (as 4 se levantam, trazem taças com vinho) Como prova de nossa gratidão, como prova da nossa solidariedade, como prova da nossa generosidade, sirvam-se! (as 4 vão até o público e entregam algumas taças. Apenas alguns receberão. Só as mulheres receberão as taças) Brindamos! (todas erguem as taças e bebem demoradamente, saboreando) Passemos para a quinta prova, a do reconhecimento. Cumprimentem-se e digam seus nomes!

Senhorita Ana: Ana. Prazer em conhecê-la, Flávia!

Senhorita Flávia: Flávia. Prazer em conhecê-la, Sara!

Senhorita Sara: Sara. Prazer em conhecê-la, Luana!

Senhorita Luana: Luana. Prazer em conhecê-la, Ana!

(Se conhecerem alguém da platéia do sexo feminino, cumprimentam também. Abraçam-se)

Anfitriã: O momento chegou. Vamos nos conhecer verdadeiramente. Agora só é possível comunicar-se através de poemas. A que sentir seu momento, comece. (todas se olham, silêncio, constrangimento. Finalmente uma começa, timidamente).

Senhorita Luana:
Julguei-me certa,
Prepotente,
Hoje, faço-me reta.
Ergo a lança até Vós!

Senhorita Ana:
Qual criatura há de se julgar errada?
Entre pétalas e espinhos, correta não digo.
Sigo, destemida, cheia de bravura,
Caminhando entre tropeços, reflito.
Quem sou eu, esta criatura?

Senhorita Flávia:
Frágil estrada da vida,
Linha do horizonte sem fim,
Gostaria de viver destemida.
Seria a sorte, enfim!

Senhorita Sara:
Independentes minhas palavras soam,
Acredito na liberdade promissora,
Quais vozes ecoam?
Sou apenas uma emissora!

(Todas acendem uma vela, levam para cima, começam a dançar. A Vela não pode apagar)

Anfitriã: Possuímos o dom da sabedoria, a voz da vida. É através dessa luz erguida que conseguimos o caminho da iluminação. Chegamos ao topo da nossa comunicação com o poder divino. Agora estão todas preparadas para dar a Luz e receber a Luz do dia e da noite. O universo é energia, emana energia. Toda ação tem sua reação. Façam o bem e receberão o bem. Boa noite!

CONVERSA DE TÁBUAS

Autoria: Vanessa Morelli

Ambiente esfumaçado, olhos irritados, sons dissipados. E uma mesa com três pessoas. Falam sobre o dia-a-dia de um artista. A conversa não muda, é sempre a mesma: inexpressiva, dissimulada, vazia. Falam sobre arte, personagens imaginários, construídos, inexistentes. Uma voz grita para ser ouvida, não se percebem, é mais uma voz no meio do ambiente.


Dores corroendo por dentro, reflexo de uma sociedade individualista. Um pensa no café e pão de amanhã, outro, no aluguel do próximo mês. E pedem por ajuda, clamam por socorro, ninguém ouve, a voz não atinge receptor algum.

Horas passam, bebidas invadem mesas, risos cínicos vitimizando aquele que a dor sente. Por todos os lados que os olhos vêem, o reflexo de uma única mesa. Todos irmãos, filhos do mesmo ancestral, seres iguais juram ser diferentes.

Conversa vai e vem, cíclica, sempre chegando ao ponto inicial. Um com medo da morte, outro, da velhice. Indiferente! Apenas seres com medos, doentes, fragilizados e expostos a falta de cura.

Um levanta a mão defendendo a tese do bom cidadão, vilão ou suicida. Outro orgulha-se levantando a bandeira do sonhador, crendo em amor incondicional. O terceiro põe a mão no peito elegendo o homem como ser ora masoquista, ora sadista. Teorias e mais teorias, apenas ditas, esquecidas, vencidas, sem experiência ou planos de vida.

O leva e traz da cerveja ou outros bebericos alcoólicos fica por conta do garçom-observador, satisfazendo o desejo temporário desses seres vazios que enchem e levantam taças acreditando subjetivamente estarem completos, preenchendo a vida de alguma coisa.

E o garçom-observador-espectador percebe alegremente que se encontra na ficção, muito longe da realidade...

ARROGÂNCIA

Conto. Autoria: Vanessa Morelli

A porta estava fechada. Marlene tinha esquecido suas chaves em algum lugar, não lembrava bem onde. Pensou em tocar a campainha do vizinho, mas achou que seria inconveniente. Tentou se lembrar onde tinha deixado, quem sabe dessa maneira pudesse voltar e pegá-las. Fez força, nada. Imagens do dia inteiro passaram na sua cabeça, entretanto nenhuma que a fizesse resolver seu problema. Estava presa, do lado de fora.


A festa estava ótima. Provavelmente entre vai e vem, as chaves deveriam ter caído. Lembrou-se daquele homem. Ele a pegou com tanta força, com uma intensidade impossível de ser descrita. E as suas amigas? Quanta inveja! Sim, inveja! Elas estavam de queixo caído. Realmente ele era de uma elegância e beleza assustadoras. E quanta educação! Sabia andar perfeitamente. Seus passos eram de um rei. Quando o viu, jamais pensou que se perderiam entre beijos e abraços. Que fim de festa! Chegou até mesmo a cogitar a possibilidade de deixar seu carro no estacionamento e ir com ele alegando precisar de uma carona. “Não, imagina! Não sou como as outras”. Quanta arrogância e vaidade de Marlene.

Agora se encontrava do lado de fora de sua casa. Estava muito frio e Marlene vestida de tomara-que-caia. Faria o que então? Esperar o dia amanhecer e chamar o chaveiro? Seriam horas de relento. Poderia ligar, mas para quem? Para ele? Nem pensar! Marlene era orgulhosa demais para cometer um erro! Teria de contar que perdeu as chaves, isso seria um absurdo, seria a confissão de um erro. Marlene era independente demais para precisar de alguém.

- O tempo passa num instante, logo amanhece e resolvo. Calma! – disse alto.

Sessenta segundos depois, Marlene pega o celular de sua bolsa. Ligar para quem?

- A Cleide!

Tentou. Cleide não atendeu o seu chamado. Pegou então um cartão que se encontrava do lado de sua carteira. Ficou olhando, observando cores e textos. Quase que hipnotizada pelo cartão de cor vermelha. Cor da paixão! Deveria ser um sinal!

- Sinal vermelho! Pare com isso! Nem pensar...

Alguns minutos haviam passado e Marlene, olhando o cartão vermelho, ouviu uma voz de sua mente, deveria ser o id freudiano:

- Procure-me! Vamos! Procure-me!

Logo sua criação protestante entrou em ação:

- Nem pensar, só estando muito louca...

Entre o sim e o não, confusa, como toda adolescente. Porém, Marlene era uma mulher decidida, madura e na casa dos trinta.

- Não seria uma má idéia.

Uma intervenção atravessou seu pensamento:

- Marlene, você não sabe o que faz!

Dormiria no carro? Não parecia uma má idéia, afinal quantas pessoas não passaram por isso e provavelmente tomaram essa atitude? Pelo menos ela dormiria no carro, livre da friagem. Abriu a porta do veículo, acomodou-se no banco traseiro. Estava muito desconfortável. Decididamente muito incômodo!

- Não, Marlene, não! – resmungou.

Tentou convencer-se de que estava satisfeita, tanto como num colchão recém-comprado. A fome surgia somando-se a irritação do sono. Marlene era forte, bem resolvida, tiraria isso de letra. Agüentou firme. Marlene também era vegetariana e como sofrem os vegetarianos! Onde comeria? Não comeria!

Inquieta, Marlene pegou novamente o cartão. Ligar? Sim, sim, sim! Não, não, não! Ligou, nem esperou tocar e desistiu.

- Deve estar dormindo – justificou-se.

Como ele poderia ser tão atraente, bonito, simpático e de ombros tão elevados? Possuía um dom natural, um carisma incontestável. Imaginou-se com ele debaixo dos lençóis. Deliciosamente saboroso, não como aperitivo, mas como prato principal.

Novamente apertou as teclas de seu celular. Deixou tocar. Esperou ansiosa. Uma voz máscula atendeu. Era ele.

- Não costumo ligar no mesmo dia, muito menos nesse horário, mas perdi minhas chaves e preciso de abrigo.

Ele se prontificou a ajudá-la. Deu seu endereço. Ela anotou com dificuldade, afinal a iluminação não era muita e encontrar uma caneta em sua bolsa também não foi fácil. Desligaram.

- E agora? Vou?

De posse de seu endereço, que mal havia passar uma noite tranqüila em mãos cuidadosas e atenciosas? Sob essa perspectiva, convenceu-se totalmente. Ligou o carro e pôs-se a procurar a rua que ele havia dito. Não conhecia muito bem a zona oeste, francamente não conhecia nada. Não ligaria outra vez para perguntar. Marlene tinha astúcia, era inteligente e perspicaz. Rodou, rodou e rodou. Viu que a gasolina estava acabando, por sorte encontrou um posto aberto. Mandou encher. Marlene não pedia, mandava!

- Deve ser aqui!

A rua tinha um nome parecido. Não encontrou o número. Percebeu o engano. Onde seria a bendita? “Estava de carro”, pensou.

E rodou, rodou e rodou. Nenhuma rua com aquele nome. Era só não desanimar, uma hora encontraria! Virava à direita, virava à esquerda, subia, descia, atravessava farol vermelho, baixava a velocidade em ruas de paralelepípedo, acelerava nas retas. Estava cansada, queria dormir, nem mais pensava no seu príncipe galanteador da festa. Sabia que chegaria com olheiras acentuadas e cara de acabada. Até que cruzou uma rua que parecia ter o nome da maldita rua que procurava. Finalmente achou!

Havia amanhecido. Olhou sem querer para o relógio que informava sete horas da manhã. Era a hora de encontrar o chaveiro e foi em busca do senhor dos milagres. Mal sabia que ele, o príncipe da festa, a esperava com champagne e suas chaves nas mãos.

SONHO BRANCO

Autoria: Vanessa Morelli

Letícia havia acabado de colocar o telefone na base. Parada, ainda refletia sobre o que acabara de conversar. Foi então tomar um banho. O chão estava todo molhado, o espelho embaçado peça fumaça do chuveiro quente. Enxugava-se.

Colocou sua melhor lingerie, era vermelha. Admirou-se por um instante em frente ao espelho do quarto. Abriu a porta do armário. O que vestir? “Um longo preto clássico seria o ideal para um jantar”, pensou. Logo desistiu. Pegou um vestido rosa bastante sensual. Olhou-se mais um pouco em frente ao espelho.

“Narcisista eu? De maneira alguma!”, deixou escapar em voz alta.

Abriu seu estojo de maquiagem e passou um batom para acentuar o colorido de seus lábios. Lentamente deixou sua pele absorver o creme hidratante que passara. Em seguida, colocou uma película de base e pó para dar suavidade. Retirou do estojo o lápis preto e contornou os olhos minuciosamente. Lembrou-se de passar uma sombra e então o fez. Ainda pálida notou-se, finalizando com blush avermelhado que coloriu as maças de seu rosto. Estava se esquecendo de algo... o que seria? O perfume, mas é claro!

Estava quase pronta para a grande noite com o seu amado amante. Ele gostava de cinta-liga e ela usava para agradá-lo. Colocou um salto 7 e mais uma vez contemplou-se em frente ao espelho.

Letícia era amante da vida, do amor e de Carlos. Saíam sempre que podiam, embora não tantas vezes quanto Letícia desejava. Carlos tinha duas meninas lindas e um casamento sólido de treze anos. Amava Letícia, porém não poderia abandonar sua esposa e suas meninas.

Como era difícil para Letícia conviver com o rótulo de amante, convivia a maior parte do tempo com a solidão. Não podia contar nunca com Carlos, jamais poderia ligar para ele, seja para lamentar, gritar, chorar, amar, jamais ligar... sempre a espera da procura de Carlos.

Estavam juntos há cinco anos. Naquele tempo, Carlos não tinha filhos ainda, restava a esperança de que poderiam um dia viver juntos. O tempo passou e Letícia não mais esperava vida em conjunto, não tinha mais esse sonho. Gostava tanto dele que não se conseguia imaginar com outra pessoa.

Para Carlos tudo era perfeito: tinha a esposa que o amava, filhas que alegravam sua casa e uma amante de fazer inveja a seus amigos mais conservadores.

Letícia era de uma beleza estrondosa, não havia homem que não se sentisse seduzido pelo encanto dessa jovem moça. Com seus vinte e oito anos, conservava a vitalidade e juventude dos dezoito. Letícia se cuidava, usava bons cosméticos e sua alimentação, sempre saudável.

Pronta, Letícia esperava, sentada no sofá da sala, esperando o toque da campainha. Disse que estaria às 20 horas, já eram 21. Começou a ficar com sono, acreditou que não mais viria.

Sonhava que ele a pedia em casamento – sonho de quase todas as mulheres. Sonhava que ele entregaria um solitário pedindo que sempre o amasse e que faria questão de conhecer sua família. Sonhava, sonhava... e seu vestido seria tão branco como o algodão-doce. Sempre imaginou-se vestida de noiva, amada para todo o sempre...

Escutou um som. Um tanto atrapalhada percebeu que era o telefone. Atendeu. Uma voz do outro lado dizia brevemente “me atrasei”. Letícia entendeu a mensagem e colocou o telefone novamente na base.

terça-feira, 18 de dezembro de 2007

Monólogo de Lembranças e Presentes

Autoria: Vanessa Morelli

Lembranças são marcas. Marcas que prensam memórias e algumas lentamente desaparecem. Outras confirmam os medos, inseguranças, derrotas. Dessas, não devo me aventurar a lembrar, deixo onde estão, tímidas, profundas e solitárias.


Tarde de verão. Espero um telefonema para um encontro. Mera formalidade necessária e indispensável, pois já estava combinado: Café Central, 20 horas. Os minutos passam numa vagareza alucinada e a ansiedade toma conta compulsivamente. Ainda um projeto a finalizar, entretanto a mente viaja outros lugares e sensações. Focar no que a priori é importante me parece uma tarefa difícil e angustiante.

Vou ao armário pegar uma caneta, pois a tinta havia acabado. Desastrada, derrubo inúmeros objetos no que me abaixo para pegá-los e devolvê-los aos seus respectivos lugares. Uma foto, já manchada e mal cuidada, me observa. Paro. A mente tão fugidia tem o poder de voltar anos atrás só pra provar que tem o dom do armazenamento, como se fossem inúmeros arquivos trancados a espera de uma chave. O portador da imagem era Perpétuo - um latino que havia conhecido quando esse se encontrava em São Paulo, a trabalho.

Não sou de frequentar bares, embora, neste dia, sozinha, decidi tomar uma bebida. Sentei-me na primeira mesa de frente para a porta com o intuito de apressar minha saída. Prontamente o garçom prestativo veio em minha direção, fiz o pedido: uma taça de vinho branco. A diversão degustativa estava terminando quando delicadamente, abordada por um homem, hesitei. Era Perpétuo. Sua voz e postura física levaram-me a um delírio temporário, como se fosse um oásis no meio do deserto. Seduzida, aceitei o convite para ir a sua casa tomar uma segunda taça.

Combinação agradável de luzes fizeram-me familiarizada com o ambiente. A sala ampla e a diversidade de cores deixavam o espírito leve. Assim, acariciada pelo espaço, Perpétuo colocou uma música, um som desconfortável antagonista de todo o clima criado. Em dúvida, entregou-me uma caixa. Não abri.

Dono de si e de uma segurança invejável, percebeu que facilmente me manipulava e sentia ao seu olhar uma vitória conquistada. Por um breve momento, acreditei na minha fragilidade, o que de certa maneira me confundiu. Cedi aos meus instintos e ao cobrar a racionalidade estava nua em uma cama de tecidos caros. Ao lado, o presente: a caixa. Mais uma vez não abri. Vi uma foto sua numa cômoda, num deslize roubei. Escondida, fui embora, como se quisesse negar todo o acontecido. Procurei não entrar numa discussão moralista comigo mesma, tratei de esquecê-lo. Nunca mais o vi.

Presente - em meio a bagunça, o telefone toca. Compromisso: Café Central, 20 horas. Sem mais angústias e esquecendo-me temporariamente das lembranças, lá vou eu, Pio, lá vou eu...

FRAMBOESA

Agradeço a Lunna Guedes em me colocar como participante do Amigo Oculto Literário. Estou muito emocionada com o poema incrível a mim presenteado escrito por Ricardo Rayol e publicado em A cor da letra. Senti necessidade de compartilhar em meu Blog tamanha compreensão de minha alma:

Produzimos letras,
no ansioso branco
do papel, surdo
emudecido.
Entregamos a alma à escrita,
arte falada, viva arte
sob as luzes da ribalta
revivida.
Atos reais, orais,
de múltiplas linguagens,
veredas simbólicas,
encenados.
Nos palcos tornamos,
o imaginário,
na cena definitiva.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

Amigo Oculto Literário...

Finalmente chegou o dia da revelação do amigo oculto. Não posso dizer qual o nome da pessoa que sortiei, nem o nome da fruta e nem o Blog em questão, só posso deixar pistas. E que sinais dar a quem não conheço e nunca vi em minha vida? Por esse motivo, tentei encontrar algum texto desse amigo oculto que houvesse semelhança com a minha pessoa. Pensei realmente que seria uma tarefa árdua, mas logo no segundo post encontrei informação suficiente pra me revelar enquanto ser que se adequa aos prós e contras da vida.

Andei por todos os Blogs selecionados para descobrir quem havia me tirado, acredito que seja a Francys, não tenho certeza. Sou sua amiga oculta, Fran?

Voltando ao meu amigo secreto: é uma mulher, provavelmente na casa de seus trinta anos, alguém que como eu é totalmente engolida por conhecimento, colocando como prioridade o saber e não o ter. Talvez sua frustração seja a dificuldade de envolvimento afetivo, quem sabe alguém a tenha magoado, são mistérios... Amiga secreta, desejo sucesso pra ti em todos os quesitos: na saúde, no amor, profissional e financeiramente, seja feliz, não importa como, arrume sempre forças para um dia melhor, para cumprir a sua missão terrena. 2008 a aguarda com promessas mil. SUCESSO e AMOR. Beijos Morellísticos.

TULE

Será mesmo a vida cheia de minúsculos buracos?

Dedicado ao meu querido amigo dramaturgo - Ruy Jobim Neto

Vai dar Beleza.
Muita inocência e

Gosto de Tulipas.

Vai dar clareza
De que a vida é mero acaso
Uma informalidade sombria
e mesmo assim de maior grandeza.


Vai ter certeza
De que a fé
nem sempre ergue montanhas
e nem altos prédios.

Mas que a essência -
Sereníssima suave -
É a alma do que contrói.

Um aroma desperta
emoções, num ambiente.
Uma sutileza e elegância
tão rara nos dias de hoje -
a da beleza Humana.

Qual criatura com nudez incomparável
Pode tecer caminhos tão arquitetados?
A vida não é uma obra concreta.

Inspira-se somente no abstrato
do qual dão o nome de amor.

* Por Morelli ®

A imagem de uma mulher

Autoria: Vanessa Morelli

Sempre me senti mais mulher do que homem. A figura mais presente: minha mãe. Ela, sempre ela, me fazia ver a vida com olhos voltados para um livro de romance. Passei então a não buscar uma esposa, mas uma princesa, aquela companheira cujos mistérios da vida seriam descobertos com minha ilustre presença. Não que fosse uma atitude machista, de maneira alguma. Apenas sentia que ter alguém pra chamar de "minha mulher" não teria vínculo com a possessividade e nem com o vigor da suprema raça masculina, mas com a delícia de um conto, um belo conto de fadas lidos por minha mãe.

Passei meus anos todos em busca da realização desse sonho, procurando em todos os rostos a imagem do amor. Engraçado era que quanto mais procurava esse substantivo "mulher" mais me afastava do sentimento abstrato chamado "amor". Mesmo diante de tanta procura e nenhuma realização amorosa efetivada, meus sonhos faziam sentido, embora o sentido se afastava de mim.

Vinte anos, trinta anos, quarenta anos se passaram. Hoje, realizado, olho-me sempre em segredo em frente ao espelho. Percebi finalmente que o que mais procurava era a minha própria imagem com os traços de uma mulher. Satisfeito, quando chego do trabalho, exausto, vejo o meu grande amor, às noites. Veste uma linda peruca loira e tem gosto por batom laranja.

AMIGO?

Autoria: Vanessa Morelli


“Como vai você?” – pergunta curioso Rodrigo, preocupado com o sentimento do amigo.

“Bem, obrigado!”, diz Plínio aparentando falso estado de paz.

Rodrigo replica:

- Mas está tudo bem mesmo?

Insistentemente, Plínio responde:

- Bem sim, Rodrigo. Estou muito bem em ver meus amigos perguntarem sem sentido se os outros estão bem quando sei que o mundo não está nada bem.

- Por que me diz algo assim, caro amigo?

- Porque sei que as coisas nunca estarão bem. Quem tem uma casa quer duas, quem tem sucesso no amor vai querer o profissional e aquele que tiver tudo, então o que mais pode ter? Se o mundo é movido por desejo, querido Rodrigo, o que pode desejar aquele que tudo tem?

- Boa observação, Plínio, mas pense aqui comigo. Eu sou um homem satisfeito, tenho uma boa mulher, um ótimo trabalho, uma excelente condição de vida e uma saúde digníssima, o que hei de reclamar?

- Ora, ora, Rodrigo, a quem engana? Pensa ter seus sonhos realizados e por certo deve tê-los, entretanto o que o faz acordar dia após dia se obtém todos seus sonhos?

- Os prazeres da vida, meu amigo. Um deles é estar com você aqui neste bar, bebendo do vinho mais caro e podendo dar gorjetas infladas aqueles que a mim prestam serviço. Como posso reclamar, Plínio?

- De tudo isso, mas é claro! Aquele que tudo possui o que mais poderá possuir?

- De pronto respondo, amigo. Cabe a eu dar alegria aqueles que não tem a mesma sorte que eu. Pudera eu ignorar tal fato? Digo que sim. E se assim fosse, aí estaria toda minha infelicidade: a de não dar prazer e alegria àqueles que necessitam. E não de mim! Mas por meio do que posso dar a eles. Minha esposa, por exemplo, só me pede amor. Posso eu negar isso à ela? Não. Se o fizesse, aí sim cavaria minha sepultura. E o dinheiro que me sustenta, não mais me sustentaria vida e por certo, um caixão. As conquistas somente trazem felicidade, queridíssimo Plínio, nas mãos dos que sabem dividir.

- Creio que estou convencido dos seus talentos em cativar aqueles carentes de sorte ou de domínio. Se é realmente meu amigo e acredito firmemente que sim após extenso discurso elucidativo e argumento sustentado, coloco-me numa posição de subalterno e oprimido pelos causos da vida e pergunto: posso eu desfrutar do seu lar aconchegante, com sua esposa a passar frente aos meus olhos e eu contemplar e me abastecer da felicidade doada por um amigo que cá se encontra em minha frente?

- Ora, vamos voltar logo ao Tribunal que estamos atrasados.

Especial Gregor Mencken

Amor primeiro

Quem vos amou tão triste e tão primeiro
Que o mal de amar o fez tão raro e triste
Triste porque partiu, porque partiste
Em ser primeiro e triste sou parceiro.

De um par tão triste que se fez primeiro
Névoa do alvorecer que não existe
Vejo que estou tão só, quanto me viste
E te amei sem querer - tão derradeiro.

Derradeiro (perdão) por ser primeiro
Relembrando outra vez que fui parceiro
Do que em nós transformou-se na memória:

Amor de armas em riste, e triste história
Entre a glória de ser o amor primeiro
Ter o demônio de ser o derradeiro.

Gregor Mencken e Pedro Geraldo Escosteguy.


Alva lua

A alva lua
brilha nos campos.
Espio sua luz,
e lembro em sonhos
daquela que surge calada.

Oh! bem-amada!

Reflete-se na grama,
e perfila-se imprecisa
Ao vento que assobia!

É hora, o mocho pia...

Assim como desce
a calma infinita
do pensamento
que a lua frisa.

Não lamentemos:
É a hora precisa.

Gregor Mencken.


Time to go

O som das estrelas e da lua
Brilhando em tua noite, por janelas
Com o impacto insano de tua
Versão de cores tão amarelas.

O pundonor da alvorada nua
Como a serena pele da amada,
Fere, de mansinho, todas trevas
E vem, já sem pássaros, calado!

A doce lembrança, que é só tua
Estaca. E pousará seus lábios
No orvalho, com tremores sábios...

Uma alma ferida, ao pé da estrada,
Coração pulsando pela vida
Time to go. Hora da partida.

Gregor Mencken.

EMBRIAGADOS

Conto de Vanessa Morelli

Lúcia é poetisa. Gosta de lua e boemia. Tem um anel que lhe foi dado de geração pra geração e o guarda com muito carinho. Guarda porque não pode usar. É uma relíquia que vem de seus antepassados, em ouro e pedras preciosas, de valor emotivo, muito cara. Fragilizada por sua natureza sensível, precisa descobrir uma maneira de ganhar dinheiro suficiente para pagar suas dívidas que são muitas, caso contrário terá de vender esse tesouro que para ela não tem preço. Sua família jamais a perdoaria.
Sozinha, Lúcia faz o que pode. Não é extrovertida. Sua natureza é contida e exteriorizar emoções, para ela e para o mundo, é praticamente impossível. Lúcia quer ser mãe, quer ter uma filha, uma menina que possa dar continuidade à família Sousa.
Alcides é apaixonado por Lúcia, mas ela não está preparada para ele. Ela nunca está preparada. Esta mulher poetisa não está pronta ainda para um relacionamento amoroso e afetivo. Mas Alcides é teimoso e acredita que querer é poder. Todos os dias, leva um buquê para Lúcia que, como sempre, fica sem palavras.
Ela até gosta de Alcides, mas o acha um tanto soberbo, materialista, um molde da sociedade capitalista. Mesmo assim, sente uma certa afinidade, embora não saiba transformar em palavras o que de fato sente.
Fica comigo, vamos! Vou te fazer feliz.
Lúcia ouve as declarações de Alcides com atenção e tenta buscar uma explicação. Tem de responder, mas o que responder? Sim, fico? Não, somos incompatíveis?
Alcides teve dificuldades na infância. Seus pais haviam se separado enquanto ele era menino. Passou a maior parte da sua adolescência entre ir e vir, o que explica sua carência afetiva e uma vontade de se prender a algo concreto. Sabe que a família que irá escolher poderá fazê-lo feliz, um homem satisfeito. Sabe que a vida é feita de escolhas e nem sempre as pessoas são da maneira que se quer, às vezes é preciso tolerá-las.
Lúcia tem pressão baixa. Alcides tem pressão alta. E se dizem que os opostos se atraem, esse casal haveria de ter uma união perfeita. Lúcia gostava de humanas, de ler e escrever, principalmente poemas, já Alcides adorava números, era uma calculadora ambulante.
Lúcia ainda não respondeu. Tem de dar alguma resposta, qualquer uma, sim ou não. Mas tem medo. Lúcia tem medo. Medo da vida, medo de tudo. Tem medo de se arriscar. Ela sabe que Alcides é corajoso, ambicioso e amoral. Sente seu sangue correr de forma vibrante e irregular. Sabe que se ficar com ele é por pouco tempo. Ela é água, ele é óleo, ambos não se misturam. A sua transparência a incomoda, quer ser tão profunda quanto Alcides. Não sabe que Alcides quer ser água como ela.
Os dois falam muito. Ela, por defesa. Ele, por narcisismo. Alcides adora chamar atenção e sabe disso. Lúcia também gosta, também quer, mas desconhece.
E então... juntos ou não?
A paciência de Alcides não é muita, a de Lúcia também não. Alcides é sincero, embora sua sinceridade às vezes machuque. Lúcia também é sincera, até certo ponto.
Os dois se abraçam. Olham-se. Beijam-se com uma tensão violenta. Existe uma química fortíssima entre eles. Não se agüentam, é muito desejo. O sangue corre nas veias bombeando o coração e a mente embriagada de muita química hormonal. É vibrante, inquietante. Querem se livrar das roupas, mas não podem. Lúcia e Alcides estão em ambiente público.
Vamos para outro lugar?
Lúcia vacila. Devo ou não devo? Vai então.
Só conseguem pensar em saciar esta sede. A brasa queima violentamente. Os dois esqueceram a calma bem no momento em que aconteceu aquele beijo. Foi no beijo. Aquele beijo acumulou mais tensão da que estava presente. O desejo é delinqüente. Lúcia pensava: “é ele!”, “eu quero”, “eu desejo”, “eu amo”, “eu enlouqueço”.
Passam antes num posto, colocam gasolina, calibram os pneus e entram na loja de conveniência para comprar algumas coisinhas para acrescentar essa noite que desperta os animais mais tranqüilos da floresta. Chegam no motel com uma garrafa de vinho na mão. Não havia copo e esqueceram de comprar. Decidem beber no gargalo. Alcides fica altamente sob frágil situação de tensão. Lúcia controla-se para se ater à garrafa de vinho. Beberam meia garrafa de vinho. Riram um pouco. Tensão. As cabeças de Lúcia e de Alcides estavam borbulhando, em temperatura de explodir. Quando os corpos não mais agüentaram a distância, voaram um sobre o outro. Agora estão sob o efeito da lua, do vinho, da corrente química que passa pelos corpos. Completamente embriagados.
Caem na cama, já sem roupas. Precisavam se despir. Precisavam ser um só, sentir o calor do corpo do outro. E como era quente! Nenhum dos dois havia sentido isto antes. Eram descontrolados. Os corpos agiam por si só, sem pensar, se pediam e careciam um do outro. Não tinham idéia do quanto.
Carícias selvagens por todos os lados. Gemidos. Sensações. Aromas e odores desconhecidos e altamente histéricos. Um virava sobre o outro, por cima, por baixo, de lado, de pé, de quatro, de ponta-cabeça, fazendo acrobacias de todos os tipos. E não era exibicionismo, era pura e simples excitação. Os dois se desejavam, faziam amor como nunca antes fizeram em suas vidas.
Que sensação era aquela? Um gozo infinito.
E após a maior das sensações já vivida, eles se calaram. Cada um num canto da cama, num mergulho tão pessoal e indescritível.
Lúcia espera que Alcides fale alguma coisa. Ele não quer falar, não tem como falar. Ela pergunta:
Ainda quer ficar comigo?
Alcides pensa. Ele quer, mas não pode. Ele a deseja, mas não pode. Como não ter controle de si mesmo? Como não poder controlar uma embriaguez? Esse envolvimento seria um risco, e por mais ousado que fosse, ele se amava muito e não suportava a falta de domínio, de controle sobre o outro e sobre ele mesmo. Novamente pensa. O silêncio é angustiante para ambos. Diz:
Você está certa. Somos incompatíveis.
E outra vez, Lúcia mergulha na realidade. Como farei para ter para sempre o tesouro comigo?



* Conto de Vanessa Morelli devidamente registrado na Biblioteca Nacional.
Contato: vamorelli@ajato.com.br