domingo, 2 de março de 2008

Contradição

Uma vontade de conhecer a si mesma nasceu espontaneamente e, assim que esse desejo se realizara, acreditou-se que era possível a inserção de si própria na sociedade. O mais lúdico eram seus pensamentos porque de tão próprios e cheios de vida, mal combinavam com os fluxos sociais. Era como se estivesse anexa a um mundo exterior, uma partezinha de lua, de marte ou outro planeta ainda mais distante, nunca uma estrela, jamais um sol - não tinha o poder de aquecer-se sozinha.

A missão a qual estava destinada nem bem conhecia. Se houvesse algum tipo de compromisso com uma causa, da mesma forma passava despercebido. Questionava o tempo todo conceitos, critérios, jeitos, olhares, atitudes, palavras, mas de tanto perceber os outros esquecia-se de si mesma e era necessário voltar para o embrião interno - em que terra nasceu? Quais foram seus nutrientes?

Sua inteligência era desbaratinada, confusa, desmedida, desintegrada, procurando sempre ser amassiada. Inteligência bruta, vulcânica, furiosa, intuitiva - quase que quase sempre.

Essa mesma mulher, com consciência exclusiva, sentia uma forte presença masculina no seu âmago - o seu forte era a falta. Em seus dias solitários ou repletos de figurantes, a mensagem que ouvia era repetidamente a mesma: um toque de telefone não atendido, uma linguagem arcaica e fora de uso ou um fio que nunca alcançava como se fosse possível pegar a isca, mas quanto mais próxima, maior a distância.

19 horas da noite. Saída do casulo. Ruas perigosas, monstros com nomes de gente, semáforos a cada 300 metros ou um pouco mais, uma música que não se ouve e o silêncio que não é silêncio. Chegada ao local. Todos já posicionados com suas máscaras esboçando sorrisos periódicos e falando geralmente sobre futilidades não denunciadoras. Sabe-se que a exposição é a medida do ataque e que sempre é melhor se passar de burro do que esperto demais - esse é apenas um parênteses comunicativo sem o sinal equivalente. Gostava de algumas pessoas, não de todas.

O mais é a continuidade do mesmo fluxo. Rompido o silêncio, ouve-se um som emitido por um aparelho normalmente utilizado para receber chamadas, esse mesmo que surpreende com notícias de todos os tipos e conteúdos. A voz do outro lado fazia essa mulher sorrir verdadeiramente, transmitia ondas de paz e embriaguez promovida pela química dos sons. Levantou-se - ativamente - despediu-se rapidamente.

Foi dirigida para a rua que essa voz havia mencionado. Descendo do carro, lembrou-se de pegar sua máscara e a colocou em sua bolsa, usada assim que ele abriu a porta com o mesmo sorriso ingênuo ao qual ela pronunciara ao toque de seu telefone.

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