Conto de Vanessa Morelli
Um escritor muito hábil, Luide Taroco, escrevia seu primeiro romance. Não bem escrevia porque não sabia, mas ainda não havia desistido da profissão que escolhera. Enquanto seus amigos já tinham publicado mais de dez livros entre poesias, prosas e romances, ele tentava persistentemente escrever seu primeiro. Era ágil no discurso oral, entretanto suas idéias processavam de maneira tão veloz que antes de as colocar no papel, havia esquecido todas.
Cansado, exausto de tanto fervor e devoção e tão pouca vocação, manuseou sua máquina tentando descobrir uma solução. Quais os passos que deveriam surgir em sua vida tranqüila e metódica?
Todas as manhãs, Luide Taroco se levantava , tomava o seu café preto “substancial” – como costumava dizer, organizava seus livros e revistas e ia à banca comprar jornal para quem sabe ter um surto criativo, mas não! Desanimado, abria uma garrafa de whisky e contemplava o rótulo. Era um hábito solidificado, nada fragmentado e com teor risível, digno de delírios e de imaginações atordoadas.
Quando o efeito do álcool passava, lembrava-se do almoço, por volta das quatro horas da tarde. Então ia para frente da máquina de escrever e lá ficava durante horas, até adormecer. Luide Taroco era ultrapassado, detestava computador. Era um hábito que virou mania e que tornou-se vício.
Começou a fumar meses depois, logo que a morte de sua mãe foi revelada. Dizia que era influência dos amigos - más companhias, adicionava. Entristeceu-se, mas Luide Taroco era forte, era um homem de fibra. Passou a acender um cigarro no outro e comentava:
- Essa droga é boa, mas o hálito é insuportável.
De tal forma o incomodava que começou a fazer gargarejos e com tanta força escovava os dentes que passou a ter gengivite.
Voltava-se para a máquina de escrever – sua companheira. E teve um acesso de fluidez. Suas mãos gananciosamente batiam teclas e mais teclas e escreveu, como um louco, mas escreveu!
O título da fantástica obra chamava “A autodestruição do Planeta Terra”. Porém, achou o título pobre e de mau gosto. Corrigiu:
- O dia em que a Terra conheceu a sombra! Não, muito longo... Sopro da Terra!
Depois de muito pensar, finalizou: “Terra na sombra”. O seu livro era uma premeditação do que aconteceria, claro que ele não sabia que era um Nostradamus. Nem Nostradamus sabia quem ele mesmo era! Sua criação era um oráculo! Uma previsão!
Luide Taroco, orgulhoso, pela primeira vez, da sua obra acabada, começou então a fazer planos para o futuro. Imaginou um iate no meio do mar, uma casa na praia, uma mulher com todos os requisitos para uma ótima esposa e sonhava ardentemente num espírito materialista e compulsivo.
Listou apartamentos que poderia comprar à beira mar, orçou iates de todos os tipos e tamanhos e notou a beleza das mulheres porque agora sim ele era dono de si. Foi quando, de repente, numa dessas saídas em busca de luxúria e prazeres da carne que o mundo começou a desabar.
Um terremoto maior de todos os tempos havia atingido toda a costa litorânea e, por graça divina, alguns conseguiram escapar. Luide era um deles. Pensou alto:
- Deve ser algo passageiro, um acontecimento inusitado da natureza. Ainda hei de comprar uma cobertura nas praias brasileiras.
Em casa, lendo o jornal, como de costume, lê uma notícia que o atordoa por alguns longos minutos. Toda a costa litorânea havia sido tomada pelas águas do mar.
- Mas como pode ser um negócio desse? Justo agora? – esbravejou.
Os seus sonhos desabaram, mas Luide não se deixou perturbar. Resgatou suas forças e tratou de reavaliar seus desejos consumistas.
As notícias veiculadas alarmaram a população. O calor intensificava de tal maneira que todos os dias tinha gente morrendo por desidratação. A dengue fazia festa. O pânico foi causando caos. A desordem era total. Muita gente deixou de trabalhar, os que iam ficavam até mais tarde porque a empresa possuía ar-condicionado.
Dia após dia a Terra aquecia, pessoas morriam, os jornais noticiavam. Geleiras virando água e alagando cidades. Morriam afogadas ou por desidratação.
Luide Taroco era um dos sobreviventes. Desacreditava no que estava acontecendo. O mundo era um grande tormento, assim como havia escrito. Estava petrificado com a situação. Seus amigos estavam mortos e se não estavam, não havia mais modo de saber.
Não existia mais comércio, os jornais fecharam as portas, não porque não haviam notícias, mas os canais de comunicação haviam sido destruídos. Linhas telefônicas, editoras, emissoras de televisão, de rádio, tudo danificado, devastado.
Os alimentos começaram a escassear. A violência há muito imperava. Cidadãos tentando salvar suas próprias vidas e de suas famílias. Vulcões começaram a entrar em erupção, um atrás do outro. A Terra virava novamente uma bola incandescente.
Todos desesperados, lutando pela sobrevivência. As leis dos homens não mais existiam. Agora era cada um por si. As poucas igrejas que restavam concentravam fiéis fervorosos que oravam ininterruptamente, clamando por uma misericórdia divina. Luide Taroco estava entre eles. Uns acreditavam que o mundo ia acabar, que havia chegado o apocalipse final, outros que esse transtorno devia ser somente uma transição, mas que tudo ficaria bem e poderiam voltar a ter uma vida. Esses últimos eram mais esperançosos, pois a destruição era tanta que só mesmo o otimismo para lhes dar esperança. Luide se encontrava entre os primeiros, em que havia chegado realmente o momento de uma nova era e seriam extintos, assim como os dinossauros. Luide estava certo, seu romance tinha previsto.
Os tripulantes da nave descansavam, visto o trabalho exaustivo que tiveram durante vinte e quatro horas ininterruptas do dia anterior. O perigo havia sido dramático. Muitos enlouqueceram, sangraram, sufocaram, vítimas de seu próprio corpo-máquina. Mecânicos eram chamados.
Os seres humanos passaram a ser lenda. Agora os Mecânicos dominam a Terra, uma nova terra, compactada, sem recursos e altamente dizimada.
O mal do século XXI, o estresse, já não fazia mais parte do vocabulário. Questões ambientais também não eram mais discutidas, visto que as costas litorâneas de fato haviam sido tomadas pelos mares, os oceanos convulsionaram-se e os vulcões emergiram por toda a parte. Foi conhecido como o século do caos, da desordem, da constante provocação da natureza contra si e contra todos. Os sobreviventes do século viveram precariamente toda uma geração. Seus descendentes estudaram maneiras de construir um templo fechado, finalizado séculos depois. Readaptados e todos mutantes foram os novos seres do século XXX e que se autodenominaram Mecânicos. Uma nova forma de vida corporal que agia, programados como computadores, mas obras da Mãe-Natureza e não mais dos homens.
A temperatura do planeta chegava a oitenta graus, não permitindo qualquer tipo de vida ultrapassada. Os que conseguiram se adequar ao novo mundo, às transformações rápidas e altamente destrutivas possuíam um novo corpo, uma nova forma de vida: metade máquina, metade vida orgânica.
Esses poucos sobreviventes possuíam uma alimentação restrita a um tipo de líquido fornecido por esse ambiente modificado. A reprodução era feita de forma eficiente, controlavam instintivamente, já que os recursos eram insuficientes.
Herdeiros do novo milênio, os Mecânicos não se emocionavam, nem pensavam, eram conduzidos por uma forte força instintiva e por máquinas que equacionavam suas funções e reações. Sobreviventes, readaptados e mutantes são os Mecânicos. Geram o que ainda restou dos séculos anteriores, mas criam o Novo Século: o século XXX.
As atividades diárias exerciam movimentos repetitivos e falta de lucidez. Os que infringiam as normas de conduta utilizando a razão eram sabotados por seu próprio corpo-máquina. Morriam, sufocados por um ar que lhes rompiam os pulmões, o oxigênio.
Pi pi pi – um alarme soa. Os tripulantes da nave levantam-se, andam robotizados e seguem o percurso de acordo com o mapa da mente. Sentam em suas respectivas cadeiras e operam um sistema, uma tecnologia muito avançada. O combustível é um certo tipo de ácido. Os Mecânicos registram a ocorrência do perigo, a máquina dá as suas instruções. Eles as cumprem, etapa por etapa. O alarme continua a soar. Os Mecânicos digitam novas ocorrências, a máquina novamente dá o comando. Eles seguem as novas ordens. O alarme toca. Eles operam. A máquina potencializa ações. Cumprem. Continuada a seqüência, finalmente o alarme é interrompido. O silêncio reina. Mais uma vez os Mecânicos sobrevivem. Fim do processo.
E Luide Taroco – que triste – não viveu para ver sua obra publicada, nem deixou descendentes. Ninguém soube que um dia ele seria um grande escritor.
Um escritor muito hábil, Luide Taroco, escrevia seu primeiro romance. Não bem escrevia porque não sabia, mas ainda não havia desistido da profissão que escolhera. Enquanto seus amigos já tinham publicado mais de dez livros entre poesias, prosas e romances, ele tentava persistentemente escrever seu primeiro. Era ágil no discurso oral, entretanto suas idéias processavam de maneira tão veloz que antes de as colocar no papel, havia esquecido todas.
Cansado, exausto de tanto fervor e devoção e tão pouca vocação, manuseou sua máquina tentando descobrir uma solução. Quais os passos que deveriam surgir em sua vida tranqüila e metódica?
Todas as manhãs, Luide Taroco se levantava , tomava o seu café preto “substancial” – como costumava dizer, organizava seus livros e revistas e ia à banca comprar jornal para quem sabe ter um surto criativo, mas não! Desanimado, abria uma garrafa de whisky e contemplava o rótulo. Era um hábito solidificado, nada fragmentado e com teor risível, digno de delírios e de imaginações atordoadas.
Quando o efeito do álcool passava, lembrava-se do almoço, por volta das quatro horas da tarde. Então ia para frente da máquina de escrever e lá ficava durante horas, até adormecer. Luide Taroco era ultrapassado, detestava computador. Era um hábito que virou mania e que tornou-se vício.
Começou a fumar meses depois, logo que a morte de sua mãe foi revelada. Dizia que era influência dos amigos - más companhias, adicionava. Entristeceu-se, mas Luide Taroco era forte, era um homem de fibra. Passou a acender um cigarro no outro e comentava:
- Essa droga é boa, mas o hálito é insuportável.
De tal forma o incomodava que começou a fazer gargarejos e com tanta força escovava os dentes que passou a ter gengivite.
Voltava-se para a máquina de escrever – sua companheira. E teve um acesso de fluidez. Suas mãos gananciosamente batiam teclas e mais teclas e escreveu, como um louco, mas escreveu!
O título da fantástica obra chamava “A autodestruição do Planeta Terra”. Porém, achou o título pobre e de mau gosto. Corrigiu:
- O dia em que a Terra conheceu a sombra! Não, muito longo... Sopro da Terra!
Depois de muito pensar, finalizou: “Terra na sombra”. O seu livro era uma premeditação do que aconteceria, claro que ele não sabia que era um Nostradamus. Nem Nostradamus sabia quem ele mesmo era! Sua criação era um oráculo! Uma previsão!
Luide Taroco, orgulhoso, pela primeira vez, da sua obra acabada, começou então a fazer planos para o futuro. Imaginou um iate no meio do mar, uma casa na praia, uma mulher com todos os requisitos para uma ótima esposa e sonhava ardentemente num espírito materialista e compulsivo.
Listou apartamentos que poderia comprar à beira mar, orçou iates de todos os tipos e tamanhos e notou a beleza das mulheres porque agora sim ele era dono de si. Foi quando, de repente, numa dessas saídas em busca de luxúria e prazeres da carne que o mundo começou a desabar.
Um terremoto maior de todos os tempos havia atingido toda a costa litorânea e, por graça divina, alguns conseguiram escapar. Luide era um deles. Pensou alto:
- Deve ser algo passageiro, um acontecimento inusitado da natureza. Ainda hei de comprar uma cobertura nas praias brasileiras.
Em casa, lendo o jornal, como de costume, lê uma notícia que o atordoa por alguns longos minutos. Toda a costa litorânea havia sido tomada pelas águas do mar.
- Mas como pode ser um negócio desse? Justo agora? – esbravejou.
Os seus sonhos desabaram, mas Luide não se deixou perturbar. Resgatou suas forças e tratou de reavaliar seus desejos consumistas.
As notícias veiculadas alarmaram a população. O calor intensificava de tal maneira que todos os dias tinha gente morrendo por desidratação. A dengue fazia festa. O pânico foi causando caos. A desordem era total. Muita gente deixou de trabalhar, os que iam ficavam até mais tarde porque a empresa possuía ar-condicionado.
Dia após dia a Terra aquecia, pessoas morriam, os jornais noticiavam. Geleiras virando água e alagando cidades. Morriam afogadas ou por desidratação.
Luide Taroco era um dos sobreviventes. Desacreditava no que estava acontecendo. O mundo era um grande tormento, assim como havia escrito. Estava petrificado com a situação. Seus amigos estavam mortos e se não estavam, não havia mais modo de saber.
Não existia mais comércio, os jornais fecharam as portas, não porque não haviam notícias, mas os canais de comunicação haviam sido destruídos. Linhas telefônicas, editoras, emissoras de televisão, de rádio, tudo danificado, devastado.
Os alimentos começaram a escassear. A violência há muito imperava. Cidadãos tentando salvar suas próprias vidas e de suas famílias. Vulcões começaram a entrar em erupção, um atrás do outro. A Terra virava novamente uma bola incandescente.
Todos desesperados, lutando pela sobrevivência. As leis dos homens não mais existiam. Agora era cada um por si. As poucas igrejas que restavam concentravam fiéis fervorosos que oravam ininterruptamente, clamando por uma misericórdia divina. Luide Taroco estava entre eles. Uns acreditavam que o mundo ia acabar, que havia chegado o apocalipse final, outros que esse transtorno devia ser somente uma transição, mas que tudo ficaria bem e poderiam voltar a ter uma vida. Esses últimos eram mais esperançosos, pois a destruição era tanta que só mesmo o otimismo para lhes dar esperança. Luide se encontrava entre os primeiros, em que havia chegado realmente o momento de uma nova era e seriam extintos, assim como os dinossauros. Luide estava certo, seu romance tinha previsto.
Os tripulantes da nave descansavam, visto o trabalho exaustivo que tiveram durante vinte e quatro horas ininterruptas do dia anterior. O perigo havia sido dramático. Muitos enlouqueceram, sangraram, sufocaram, vítimas de seu próprio corpo-máquina. Mecânicos eram chamados.
Os seres humanos passaram a ser lenda. Agora os Mecânicos dominam a Terra, uma nova terra, compactada, sem recursos e altamente dizimada.
O mal do século XXI, o estresse, já não fazia mais parte do vocabulário. Questões ambientais também não eram mais discutidas, visto que as costas litorâneas de fato haviam sido tomadas pelos mares, os oceanos convulsionaram-se e os vulcões emergiram por toda a parte. Foi conhecido como o século do caos, da desordem, da constante provocação da natureza contra si e contra todos. Os sobreviventes do século viveram precariamente toda uma geração. Seus descendentes estudaram maneiras de construir um templo fechado, finalizado séculos depois. Readaptados e todos mutantes foram os novos seres do século XXX e que se autodenominaram Mecânicos. Uma nova forma de vida corporal que agia, programados como computadores, mas obras da Mãe-Natureza e não mais dos homens.
A temperatura do planeta chegava a oitenta graus, não permitindo qualquer tipo de vida ultrapassada. Os que conseguiram se adequar ao novo mundo, às transformações rápidas e altamente destrutivas possuíam um novo corpo, uma nova forma de vida: metade máquina, metade vida orgânica.
Esses poucos sobreviventes possuíam uma alimentação restrita a um tipo de líquido fornecido por esse ambiente modificado. A reprodução era feita de forma eficiente, controlavam instintivamente, já que os recursos eram insuficientes.
Herdeiros do novo milênio, os Mecânicos não se emocionavam, nem pensavam, eram conduzidos por uma forte força instintiva e por máquinas que equacionavam suas funções e reações. Sobreviventes, readaptados e mutantes são os Mecânicos. Geram o que ainda restou dos séculos anteriores, mas criam o Novo Século: o século XXX.
As atividades diárias exerciam movimentos repetitivos e falta de lucidez. Os que infringiam as normas de conduta utilizando a razão eram sabotados por seu próprio corpo-máquina. Morriam, sufocados por um ar que lhes rompiam os pulmões, o oxigênio.
Pi pi pi – um alarme soa. Os tripulantes da nave levantam-se, andam robotizados e seguem o percurso de acordo com o mapa da mente. Sentam em suas respectivas cadeiras e operam um sistema, uma tecnologia muito avançada. O combustível é um certo tipo de ácido. Os Mecânicos registram a ocorrência do perigo, a máquina dá as suas instruções. Eles as cumprem, etapa por etapa. O alarme continua a soar. Os Mecânicos digitam novas ocorrências, a máquina novamente dá o comando. Eles seguem as novas ordens. O alarme toca. Eles operam. A máquina potencializa ações. Cumprem. Continuada a seqüência, finalmente o alarme é interrompido. O silêncio reina. Mais uma vez os Mecânicos sobrevivem. Fim do processo.
E Luide Taroco – que triste – não viveu para ver sua obra publicada, nem deixou descendentes. Ninguém soube que um dia ele seria um grande escritor.
Esta obra está licenciada sob uma
Licença Creative Commons.
Também o texto se encontra registrado na Biblioteca Nacional.
5 comentários:
Seria esses mecanicos um pouco humanos?
Ass:Anômino
seria essa Morellita um pouco bruxinha?
ela é AMORelli, como pode ser bruxinha?
Anomino
toda Morelli é bruxinha. Toda mulher é bruxa. Morelli é mulher, portanto bruxa, bruxinha.
aff, mais um anonimo comum
Ass:Anômino
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